Artigo de
Autoria do Bruce Lee sobre Jeet Kune Do, publicado em setembro de 1971, na
revista marcial americana BLACK BEST MAGAZINE, e posteriormente publica no
Brasil, já taduzida do inglês, na revista A Arte do Kung Fu, número 1, editada
da Editora Escala e também da Revista O inesquecível Bruce Lee da mesma
Editora.
Eu sou o primeiro a admitir que qualquer tentativa de cristalizar JEET
KUNE DO em um artigo escrito, não é uma tarefa fácil. Talvez para evitar fazer
uma coisa fora de um processo, até agora não tenha pessoalmente escrito um
artigo sobre o Jeet Kune do.
Realmente, é difícil explicar o que seja o Jeet Kune Do, embora seja
mais fácil explicar o que ele não seja. A respeito de observações sem escolha,
suponha que várias pessoas são treinadas em estilos diferentes de artes
combativas testemunhem uma irada e determinada briga de rua. Eu estou certo, de
que ouviríamos versões diferentes de cada um desses estilistas. Isto é bem
compreensível, PIS o individuo não pode ver uma briga (ou qualquer coisa) “como
é”, contanto que ele esteja encoberto pelo ponto de vista dele, isto é, estilo.
Ele verá a luta através das lentes de seu condicionamento particular.
Lutar, “como é”, é simples e total. Não é limitada a sua perspectiva ou condicionamento,
como um artista marcial chinês, um artista marcial coreano ou um “qualquer”
artista marcial. A verdadeira observação começa quando o individuo abandona
padrões fixos e a verdadeira liberdade de expressão ocorre quando o individuo
está alem dos sistemas.
Antes de examinarmos o Jeet Kune Do, vamos considerar exatamente o que
um “clássico” estilo de arte marcial realmente é. “OS ESTILOS SÃO CRIADOS POR
HOMENS. E UM ESTILO NUNCA DEVERIA SER CONSIDERADO VERDADE EVANGÉLICA. AS LEIS E
OS PRINCIPIOS NUNCA PODEM SER VIOLADOS. O HOMEM, O VIVO E CRIADOR INDIVIDUO, É
SEMPRE MAIS IMPORTANTE QUE QUALQUER ESTILO ESTABELECIDO.”
É concebível que algum tempo atrás, um certo artista marcial descobriu
uma verdade parcial, embora esta seja uma tendência comum do homem, na busca
por segurança e certeza na vida. Após sua morte, seus estudantes pegam “suas”
hipóteses, “seus” postulados, “suas” inclinações e “seus” métodos e os
transformam em leis. Credos impressionantes foram inventados; reforçadas
cerimônias solenes foram ordenadas; rígidas filosofias e padrões foram
formulados e até uma instituição foi erguida. Então, o que se originou como a
intuição de algum individuo, como um tipo de fluidez pessoal, foi transformado
em conhecimento solidificado e fixado, completado com respostas organizadas,
classificadas e apresentadas em uma ordem lógica. Assim, os bem-entendidos
seguidores leais têm, não somente feito um santuário sagrado a esse
conhecimento, mas, também um túmulo onde eles enterraram a sabedoria do
fundador.
Mas a distorção não necessariamente termina aqui. Em relação à “verdade
do outro”, outro artista marcial, ou possivelmente um discípulo insatisfeito,
organiza uma abordagem oposta, tal como o estilo “suave”, contra o estilo
“duro”, a escola “interna” contra a escola “externa” e todos esses absurdos
separativos. Logo, esta facção oposta também se torna uma grande organização,
com suas leis próprias e padrões. Uma
rivalidade começa com cada estilo reivindicando possuir a “verdade” à exclusão
de todos os outros.
Na melhor das hipóteses, estilos são meramente partes dissecadas de um
todo. Todos os estilos requerem ajustamento, parcialidade, recusas, condenação
e muitas auto-justificáveis. As soluções que eles pretendem fornecer são a
única causa do problema, porque elas limitam e interferem em nosso crescimento
natural e obstruem o caminho para a compreensão genuína. Divisor por natureza,
estilos mantêm os homens separados um do outro, em vez de uni-los.
A verdade não pode ser
estruturada ou confinada
O individuo não pode se expressar completamente quando aprisionado por
um estilo confinado.
O combate “como é”, é total e inclui todos os “és”, bem como os “não é”,
sem linhas preferidas ou ângulos. Sem limites, o combate sempre é fresco, vivo e
está sempre mudando. Seu estilo particular, suas inclinações pessoais e sua
constituição física são partes do combate, mas eles não constituem o todo do
combate. Se suas respostas se tornam dependentes de qualquer parte única, você
irá reagir em termos do que “deveria ser” do que a realidade do sempre mutante “o
que é”.
Lembre-se que, enquanto o todo é evidenciado em todas as suas partes,
uma parte isolada, eficiente ou não, não constitui o todo.
O treinamento de repetições prolongadas certamente sustentará a
precisão mecânica e segurança do tipo que vem de qualquer rotina. Por mais que
é exatamente esse tipo de “Seletiva”, segurança ou “muleta”, que eles não podem
mais andar sem elas. Assim, qualquer técnica especial, porém inteligentemente desenvolvida,
é realmente um obstáculo.
Permitam-me deixar entendido, de uma ver por todas, que EU NÃO INVENTEI
UM ESTILO NOVO, COMBINAÇÃO OU MODIFICAÇÕES.
De modo nenhum coloquei JEET KUNE DO dentro de uma forma distinta,
governada por leis que o distinguem deste estilo ou daquele método. Pelo
contrario, espero livrar meus companheiros da escravidão dos estilos, padrões e
doutrinas.
O que, então, é JEET KUNE DO? Literalmente, “Jeet” significa
INTERCEPTAR ou PARAR, “Kune” é o PUNHO e “Do” é o caminho, realidade, final- O
Caminho de Interceptação dos Punhos ou o Caminho do Punho Interceptor. Faça-se
lembrar porem, que “Jeet Kune Do” é meramente um nome conveniente. Não estou
interessado no termo em si. Me interesso por seu efeito de liberação, quando
Jeet Kune Do é usado como espelho para um autoexame.
Diferente de uma “clássica” arte marcial, não há nenhuma série de
regras ou classificação de técnicas que constituem um distinto método de
combate “Jeet Kune Do”.
Jeet Kune Do não é uma forma especial de condicionamento com sua própria
filosofia rígida. Ele observa o combate, não de um único ângulo, mas de todos
os ângulos possíveis. Enquanto o Jeet Kune Do utiliza todos os caminhos e meios
para servir ao seu fim (apesar de tudo, eficiência é o que importa), não está
limitado por nada e portanto é livre. Em outras palavras, Jeet Kune Do possui
tudo, mas ele em si não é possuído por nada e portanto é livre. Por isso,
tentar defenir Jeet Kune Do em termos de um estilo distinto seja ele Gong Fu (Kung
Fu), Karatê, combate de rua, a te marcial de Bruce Lee etc., é para perder
completamente seu significado. Seus ensinamentos simplesmente, não podem ser
confinados dentro de um sistema. Vejo que Jeet Kune Do não é imediato “isto” e
nem “aquilo”, ele nem se opõe, não se adere a qualquer estilo. Para compreender
isto completamente o individuo deve transcender a dualidade de “pró” e “contra”,
em uma unidade orgânica, que é sem distinções. A compreensão do que é Jeet Kune
Do é a direta intuição desta unidade.
Não existem padrões pré-arranjados ou “katas” no ensino de Jeet Kune
Do. Nem são eles necessários.
Considere a sutil diferença entre ter uma forma e ter não forma. A
primeira é ignorância; a segunda é transcendência.
Por meio da sensibilidade instintiva, cada um nós conhece nossas próprias
maneiras mais eficientes e dinâmicas de conseguir alavancas eficazes, equilíbrio
em movimento, uso econômico de energia etc.
Padrões, técnicas ou formas tocam somente a orla da compreensão
genuína. O âmago da compreensão encontra-se na mente individual e até isto ser
tocado, tudo é incerto e superficial.
Verdade não pode ser percebida até compreendermos a nós mesmo e aos
nossos potenciais completamente. Apesar de tudo, conhecimento nas artes
marciais, em última analise, significa autoconhecimento.
“Neste ponto, você deve se perguntar:” Como eu ganho este conhecimento?”Isso
você terá de descobrir por si mesmo”. Você deve aceitar o fato de que não
existe ajuda e sim autoajuda. Pela mesma razão, não posso dizer a você como “ganhar”
autoconhecimento. Enquanto eu posso dizer a você o que não fazer, não posso
dizer a você o que deveria fazer, porque eu estaria confinando você a uma abordagem
particular.
Fórmulas podem inibir a liberdade, prescrições ditadas externamente
somente silenciam a criatividade e garantem a mediocridade. Tenha em mente que
a liberdade que provém do autoconhecimento não pode ser adquirida através da
estrita aderência de uma fórmula. Não nos “tornamos” subitamente livres; nós
somos livres.
Conhecimento, definitivamente, não é mera imitação, nem a capacidade de
acumular e regurgitar experiências fixadas. Conhecimento é um processo
constante de descoberta, um processo sem fim. Em Jeet Kune Do, nós não
começamos por acumulação, mas por descobrir a causa da nossa ignorância, uma
descoberta que envolve processos mutantes.
Infelizmente, a maioria dos estudantes, nas artes marciais, é
conformista. Em vez de o conhecimento depender deles mesmos, para se expressar,
eles cegamente seguem seus instrutores, não mais se sentindo sozinhos e
encontrando a segurança na imitação em massa. O produto desta imitação é uma
mente dependente. Investigação independente que é essencial para a compreensão
genuína é sacrificada.
Olhe em torno das artes marciais e testemunhe o sortimento de artistas
rotineiros, artistas “mágicos”, robôs sem sensibilidade, glorificadores do
passado e então – todos seguidores ou expoentes do desespero organizado. Com
que frequência é dito a nós, por diferentes senseis ou mestres, que as artes
marciais são a vida em si?
Mas quanto deles verdadeiramente compreendem o que estão dizendo? A
vida é um movimento constante – ritmo é casual. A vida é um a constante mudança
e não uma estagnação.
Em vez de fluir, sem escolhas, com esse processo de mudança, muitos
desses “mestres” construíram uma ilusão de formas fixas concordando rigidamente
com os conceitos tradicionais e técnicas das artes, solidificando o sempre
fluente, dissecando a totalidade. Na maioria das vezes, os meios que estes
senseis oferecem aos seus estudantes são tão elaborados que o estudante deve
dar tremenda atenção a eles, até gradualmente perder a visão do fim.
Os estudantes terminam desempenhando suas rotinas metódicas, como uma
mera resposta condicionada, em vez de responder ao “o que é”. Eles não mais
prestam atenção a as circunstâncias; eles recitam suas circunstâncias. Estas
pobres almas inconscientemente tornaram-se presas no miasma do clássico
treinamento das artes marciais. Um professor, um sentei, realmente bom, nunca é
o doador da verdade. Ele é um guia, um indicador para a verdade que o estudante
deve descobrir por si mesmo. Um bom professor, por isso, analisa cada estudante
individualmente e o encoraja a explorar a si mesmo, interna e externamente,
até, finalmente, ele estar integrado com sua existência, seu ser. Por exemplo,
um hábil professor deve estimular o crescimento de seu estudante,
confrontando-o com certas frustrações. Um bom professor é um catalisador. Além
de possuir profunda compreensão, ele também deve ter uma mente receptiva, com
grande flexibilidade e sensibilidade.
Não há nenhum padrão em combate total e a expressão deve ser livre.
Esta verdade libertadora é uma realidade apenas tanto quanto ela é
experimentada e vivida pelo individuo em si. É uma verdade que transcende
estilos ou disciplinas. Lembre-se, também, que Jeet Kune Do é simplesmente um
termo, um rótulo para ser usado como um bote para atravessar um rio. Uma vez
atravessado, ele é descartado e não mais carregado nas costas.
Um dedo apontando para a lua
Estes poucos parágrafos são, na melhor das hipóteses, “um dedo
apontando para a lua”. Por favor, não confunda um dedo com a lua ou fixe seu
olhar intensamente a ponto de perder os espetáculos maravilhosos do céu.
“Além de tudo, a utilidade do
dedo está na ação de apontar longe de si próprio a luz que ilumina o dedo e
tudo o mais.”
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