O Japão é uma terra de mulheres magras e elegantes, que, há 21 anos, têm um título imbatível: ninguém no planeta vive tanto quanto elas. São 85,5 anos em média.

O país é a segunda maior economia do mundo, construída com o esforço de uma gente trabalhadora e obcecada pela perfeição, principalmente quando se trata de alimentação e qualidade de vida.
No início da manhã, no jardim de casa, Saburo Shichi repete os exercícios que faz há 50 anos com a ajuda de um bastão. São apenas três repetições. Exercícios simples, que o ajudaram a chegar a idade que tem hoje: 103 anos.
Passar dos 100 no Japão não é tão difícil. Hoje o país tem mais de 40 mil pessoas que conseguiram. Saburo Shichi se orgulha mesmo é de outra conquista. Existem muitos centenários, mas poucos conseguem ficar em um pé só. Ele é animado e divertido.
Conhecendo a vida de Saburo Shichi, o Globo Repórter descobriu os muitos segredos de um país onde os habitantes costumam ter uma vida longa e saudável.
"É importante ter um diário, para você ver o que escrevia quando tinha 10 anos e depois 30. Assim, você pode lembrar sua vida, se arrepender dos erros do passado e não repeti-los", ensina Saburo Shochi.
No diário do ano passado, uma surpresa: frases escritas em português. Saburo Shichi esteve no Brasil, durante as comemorações do centenário da imigração japonesa. Ganhou uns beijos quando passeou no litoral carioca e aproveitou para aprender um pouco da língua portuguesa.
É mais um segredo de longevidade. Aprender uma coisa nova a cada dia exercita a memória e ajuda a envelhecer bem.
O café da manhã de Saburo Shochi tem de tudo um pouco. Algumas coisas podem parecer estranhas para os brasileiros. Em vez de pão, arroz. Ele come alguns poucos grãozinhos a cada vez. Legumes em conserva. São onze pratinhos diferentes e muita paciência. Professor primário e médico aposentado, Saburo Shochi ensina que para viver muito é preciso ir devagar. "Mastigar bem: 30 vezes", diz ele. Para acompanhar, uma sopa de missô, uma pasta de soja fermentada que está presente em todos os lares japoneses e em todas as refeições.
Pasta de soja ajuda a melhorar a elasticidade da pele
Lendas de antigos guerreiros já falavam dos poderes milagrosos da pasta de soja. Ieyasu Tokugawa – um shogun, líder militar do século XVII – foi um dos responsáveis pela unificação do Japão e viveu muito mais do que as pessoas de sua época. Era extremamente inteligente e todos atribuíam seus feitos à sopa de missô, que ele tomava todos os dias.
No Ocidente, o vinho e outras bebidas são envelhecidos e têm o sabor aprimorado em barris. No Japão, uma técnica semelhante é usada com a pasta de soja. Ela fica armazenada durante dois anos, envelhecendo, se transformando. A técnica é usada há séculos. Agora a ciência descobriu que lá dentro está uma espécie de fonte da juventude.
O pesquisador Kenji Okajima, da universidade da cidade de Nagoya, intrigado com a história do shogun, resolveu testar a pasta de soja envelhecida. Ele descobriu que o missô fermentado durante dois anos produz no corpo uma substância importante para manter a memória e estimular o cérebro.
"Nós demonstramos que o missô estimula os neurônios sensoriais na pele e no estômago e, com isso, aumenta a produção do fator de crescimento semelhante à insulina 1 no hipocampo. Essa substância é muito importante para manter as funções cognitivas", explica o doutor em ciências médicas.
O teste foi feito com ratos em um tanque de água. O que recebeu alimentação comum demorou para se dar conta de que o único lugar seco e seguro era um pedestal de acrílico na outra borda. Já o que foi alimentado com a pasta de soja encontrou rapidamente o alvo no tanque com água, onde pode descansar. Em outras palavras, o ratinho ficou mais esperto, assim como teria acontecido com o shogun.
A substância que o missô produz no corpo ajuda também a melhorar a elasticidade da pele. “Essa substância aumenta a quantidade de colágeno. E também o suor, que é muito importante para a elasticidade da pele. Com isso, ela fica mais jovem e hidratada”, afirmou o pesquisador.
São tantos benefícios que parece remédio. Mas será que tem gosto de remédio? Depois de dois anos a pasta de soja fica com um cheiro bem forte, adocicado, parece de uma compota de figo, alguma coisa assim. É um cheiro bem gostoso. Mas é engraçado: tem gosto de queijo. Um alimento poderoso que ajudou muitos japoneses a enfrentar a sua maior tragédia.
Em 1945, os americanos jogaram bombas atômicas nas cidades de Hiroshima e Nagazaki. Milhares de pessoas morreram instantaneamente. Outras, meses ou anos depois, pelos efeitos da radiação. Mas muitos médicos e enfermeiros que socorreram os sobreviventes não foram afetados. Sempre se desconfiou que um dos motivos era a pasta de soja, usada para fazer a sopa, o popular missoshiro no Japão. Há pouco tempo, a ciência encontrou a explicação.
“Substâncias presentes no missô ajudam prevenir a morte celular provocada pela radiação. Logo após o acidente de Chernobyl, o missô foi exportado para a Rússia como uma forma de prevenção”, contou Kenji Okajima.